sábado, 18 de setembro de 2010

O último ônibus

            Era uma vez, o senhor Alfredo de Souza e Silva. 55 anos, trabalhador da construção civil – pedreiro. Negro, pobre, humilde, chefe de uma família de quatro filhos, dois netos e casado com Dona Maria Francisca Almeida de Souza e Silva. Morador da cidade portuária F precisa pegar quatro ônibus por dia, dois para ir ao serviço e dois para voltar, num serviço de integração que vem sendo criticado há semanas.
            Certo dia, ele precisou ficar até tarde na obra, pois era o prazo final de entrega. Ou concluíam e entregavam ao patrão, ou não recebiam a semana e mais um adicional da empreiteira pela conclusão no prazo.
            Eram 23h e seu Alfredo estava no seu primeiro ônibus. Sonolento, cansado – exausto, pra falar a verdade – e faminto. Não via a hora de chegar em casa, dar um bom beijo na “nega véia” e comemorar muito com ela – pra isso não se sentia cansado – porque, afinal, estava com o dinheiro da semana – 100 reais – e mais o adicional pelo prazo – 150 reais. Fazia planos. Ia dar para o caçula – Amauri - o tal jogo de aventura que tanto queria no videogame, pra filha caçula o All Star que ela tanto queria – não entendia como numa família de amantes do bom pagodinho, podia ter saído uma filha tão revoltada, dessas rockeiras e coisas do tinhoso, mas amava-a acima de tudo – pra filha mais velha – Berenice - como fez besteira de fazer filho em hora indevida – apenas 17 anos de idade, dois a mais da filha caçula, a Anete – daria era uma quantia para comprar fraldas. Sentia-se mal por ela. O desgraçado do namorado só fez “algo-que-nem-queria-imaginar” com sua filhinha e largou ela com o Joaquim na barriga. Pro José Vítor, seu primogênito, daria também uma quantia para ajudá-lo com a casa e a esposa. Casou cedo, com 18, mas fez filho estando casado já. Com o restante que sobrasse, ia dar um presentão pra Maria, um anel de prata que viu numa joalheria no centro da cidade.
            Estava chegando perto do ponto de sua decida. Deu sinal e desceu numa movimentada avenida da cidade e precisava chegar do outro lado para pegar o ônibus, que, por azar, estava saindo. Olhou o relógio rapidamente. 23:30. Era o último. Correu.
           
            Um jovem drogado estava com seus amigos mais drogados ainda num Chevette a 80 km por hora na via onde o limite era 60km/h. Estavam curtindo “Fight The Power” da banda de rap “Public Enemy” a algumas dezenas de decibéis acima do nível seguro quando algo simplesmente estoura o pára-brisa, fazendo o carro perder o controle e bater num poste de concreto, atirando o amigo drogado do motorista drogado em direção ao poste. Estava sem cinto e sentado no meio do banco de trás.
            Dor. Cheiro de sangue e alguma outra coisa que não sabiam distinguir,

            Seu Alfredo sentiu o fêmur, a bacia e a base da coluna fazerem um “crack”. Não deu nem tempo de gritar, pois a sua cabeça bateu no pára-brisa logo em seguida. Rolou pelo capô do carro e caiu no asfalto. Já não sentia mais nada.
            E o ônibus foi embora.

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