sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"O 'Cara'" - Capítulo 1

     - Essa minha maldita vida começou quando eu resolvi prestar o teste de admissão do colégio F. Mas era o melhor colégio da cidade. Digo era, porque eu tive que por um fim naquele antro de demônios e traidores.
    - Ora, eu só queria que me deixassem em paz! Isso é pedir muito?
    - Eu era um cara quieto, na minha, não incomodava ninguém. Era apenas um invisível. Gostava disso e queria que continuasse assim. Mas NÃO!!! ELES TINHAM QUE CHEGAR AO LIMITE!! AO LIMITE!! -  e bati o pé no chão com muita raiva e força, fazendo um baque surdo na madeira alto o suficiente para assustar os que estavam presentes na sala.
    - O senhor está se alterando, Senhor... - disse uma moça que estava coordenando a reunião olhando a minha ficha.
    - Me chame apenas de "Cara" - interrompi a moça loura com rabo de cavalo aparentando uns 40 anos de idade, bastante inteira - entende? - com óculos com uma armação preta e grossa que contorna todo o óculos. Usava um batom vermelho, mas não muito gritante. Brincos prata e um jaleco branco.
    - Cara? - ela me olhou com um semblante de estranheza, mas dei a mínima.
    - Isso, Cara.
    - Certo - fez uma pausa - Cara. Está mais calmo?
    - Sim, senhora.
    - Ok, prossiga. - ela gesticulou com a mão
    - Eu passei os dois primeiros anos engolindo sapo, mas quando eu cheguei ao terceiro... - raiva, preciso me controlar... ufa, passou - E comecei a enxergar algumas coisas que se passavam lá dentro que eram muito bem camufladas. Pessoas que desapareciam, professores que não envelheciam, e acreditem, tinha gente ali com cara de mais de 100 anos - risadas quando terminei de falar isso.
    - Silêncio, turma, vamos deixar o Cara falar - Ela fez aquela maldita pausa de novo, isso te me irritando.
    - Um dia, eu vi uma guria, da minha idade na época, 16 anos. Muito bonitinha, lourinha, parecida com a senhora, dona Lúcia - apontei pra moça loura que está começando a me irritar quando faz aquela pausa pra dizer a minha alcunha. Voltando, ela foi na sala do professor José para tirar alguma dúvida - provavelmente - de química e... Nunca mais foi vista!
    - Ai Jesus! - disse uma velha afro, gorda e com seios que deveriam tapar a vagina, ao se benzer.
    - Fiquei intrigado com aquilo, passou-se um dia, depois dois, três, uma semana e nunca mais vi aquela guria. Então, um belo dia, outra vítima, dessa vez um guri, ele era meu amigo, chamado Thiago, foi tirar uma dúvida com o professor José na sala dele. Gente, eu juro que tentei de tudo pra que ele não fosse, mas não adiantou. ficou dizendo que eu estava inventando coisas e tal. Então eu disse pra ele que se algo ruim acontecesse eu não ia me responsabilizar.
    - Mas tu não tentou fazer nada pra ajudar teu amigo? - disse um cara barbudo que parecia que tinha um formigueiro na cadeira dele, simplesmente não parava quieto.
    - Eu segui ele. Fingi que ia embora e voltei. Vi ele atravessando o pátio do colégio indo em direção ao prédio norte, onde ficam as salas dos professores. Depois, de entrar no prédio, ele subiu as escadas e, quando chegou no segundo e ultimo andar, onde tinha um longo corredor, com 10 portas de cada lado. Ele bateu na oitava porta do lado direito. Cumprimentos. E a porta de fechou.
    - Hey! Hey heyheyeheyheyehey! deixa eu adivinhar, deixa! "E nunca mais foi visto" - disse o maldito barbudo com formigueiro no rabo ao me interromper e tentando imitar a minha voz.
    Usei meu melhor olhar de ódio e funcionou, ele até parou de se mexer, por cinco segundos, um feito, pode apostar.
    - Eu fui caminhando pé por pé, sorrateiramente, até a porta da sala que ele entrou, então eu escutei um som... AQUELE som! AQUELE MALDITO SOM! - e comecei a bufar.
    - CARA, TE ACALMA! - disse a moça loura, sem a pausa... Sorte a dela.
    Funcionou também, fiquei calmo. Foi um feito.
    - O som era um grito, mas era estranho porque não se escuta ele com os ouvidos e sim com a mente, um "OOOOOOOOOOHHHHHH!!" parecido com quando você está gargarejando água antes de cuspir na pia depois de escovar os dentes. Logo em seguida escutei o grito do Thiago. Algo totalmente desesperado, impossível de reproduzir aqui, mas era um misto de desespero, medo, horror e agonia. - a velha das tetas gigantes e caídas se benzeu novamente. Não pensei duas vezes. arrombei a porta, nada muito difícil de se fazer com aquela porta cor azul metálico mas de madeira de uns 40 anos de idade. Então presenciei o absurdo. O professor de química, estava rejuvenescendo, igual aquele filme "A Múmia", e o pobre Thiago se esfarelando. Pó, foi o que sobrou do meu amigo. O professor me olhou espantado, então eu peguei a primeira coisa que vi na frente e acertei a cabeça dele uma, duas, três vezes eu acho. Pelo menos, eu parei de contar no Três. Ah, essa primeira coisa que eu vi na frente foi uma cadeira de madeira maciça suficientemente pesada pra fazer o estrago que estou visualizando na minha lembrança. Sangue. Miolo. Mais sangue. Eu fiquei ensopado de sangue. Então, com medo e ainda atordoado com o que tinha acontecido, eu corri. Fugi chorando pela perda do meu amigo. No caminho eu esbarrei na professora de Literatura, a Senhora Rafaela. Ela me perguntou o que tinha acontecido e eu só consegui dizer "Está morto!!!" e continuei a correr.
    - Cheguei em casa, ninguém estava lá. Que bom. Sem explicação quanto ao meu estado e de minhas roupas. Tomei um banho, e botei minhas roupas para lavar e me tranquei no quarto e... simplesmente apaguei. Não sei como, mas apaguei. Magicamente. Acordei só no outro dia.
    - No outro dia, eu precisava agir naturalmente, então sai de casa cedo e fiquei vagando. Quando me dei conta, estava na frente do colégio. Tremi, foi como se eu tivesse sido guiado, ou sugado praquele inferno. Então, eu escuto uma voz familiar me comprimentando... - fiz uma interrupção de propósito.
    Todos me olhavam atentos e vidrados.
    - Algum palpite? - perguntei. Nada?
    O barbudo que incrivelmente estava quieto - acho que ele tava era se borrando nas calças, mas estava estático - disse: "O Thiago?"
    - Não! - Bradei. O professor José!
    Um alvoroço se instalou na sala. Caos. Gritos de medo. E a última coisa que eu me lembro de ouvir foi a dona Lúcia gritando para que todos ficassem calmos.


Dedicado ao co-autor e grande amigo Thiago Ávila Pouzada.

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