segunda-feira, 14 de março de 2011

"Algo que você não consegue entender" - Simone pt.1

“Muito bem, Simone, vamos apenas lá e comprovar que é somente neurose da sua cabeça”.
Simone trabalha como enfermeira no hospital geral da cidade F. Sempre foi fascinada pela profissão. Com sete aninhos de idade já dizia, quando perguntavam para ela o que seria quando crescesse. Olhava para seu interlocutor, com seus lindos olhinhos azuis e seus cachinhos dourados, e dizia “Enfermeira”, com uma vozinha aguda, porém doce. Nada de médica, veterinária ou, como um menininho me disse uma vez, “Dotô di quiança”. Não. Simone tascava “Enfermeira”. Com o “i” depois do “e” e tudo.
Era abril e Simone estava de férias. Na primeira noite que entrou de férias, mesmo depois de um plantão de 14 horas, reuniu alguns amigos e saíram para comemorar em uma casa noturna, onde era conhecida por freqüentar somente a “boa gente”. Foi nessa noite que conheceu um rapaz. Sujeito boa pinta. Era mais novo que ela. Simone tinha... Bom, não se revela a idade de uma mulher, mas, digamos que Simone é mais vivida.
Naquela noite, Simone queria muito beber. Sempre sabia o momento exato de parar. Bastava sentir as veias pulsando-lhe as têmporas. Mas naquela noite ela queria extravasar um pouquinho. Sem abuso. Mas passar um pouco da conta. Ninguém é de ferro, e beber para comemorar não é feio. Feio é beber para afogar as magoas. Os dois meses que antecederam suas férias foram um caos total naquele hospital. Em fevereiro teve um surto de Dengue na cidade e em março, carnaval – foi tarde naquele ano – e uma enchente na cidade e em algumas outras vizinhas lotaram o hospital.
Era isso mesmo que iria fazer. Iria beber. Se acontecesse de cair no chão, tinha duas amigas e um amigo para carregá-la até sua casa. Fred, um colega enfermeiro – e grande amigo - estava de carro, oras.
O erro de Simone, naquela noite, foi não ter dado por conta de que saíra exausta de um plantão de 14 horas.
- Estou seca... Preciso de um drinque. – Falou Simone, assim que ela e os três amigos chegaram na festa.
- O que? – Falou Marta inclinando o ouvido para perto de sua boca. Não escutara devido ao barulho da boate. Fred e Júlia Andaram em direção a um casal sentados em uma mesa na área VIP.
- VOU COMPRAR UMA BEBIDA! – Repetiu.
- Tá bom! Vamos estar ali. – Marta apontou para onde Fred e Júlia se dirigiam.
Simone, então, foi até o bar. Arrancava suspiros e algumas palavras chulas dos homens, por onde passou. Alguns não sabiam se olhavam para as pernas que o vestido branco deixava comportadamente a mostra - perguntavam-se e imaginavam como seriam elas sem a seda por cima – ou para o decote em “U” que o vestido fazia, mostrando 1/3 de cada seio ou, ainda, para os quadris que o vestido cruelmente insistia em realçar. Homens boquiabertos e mulheres com inveja/desdém.
- Uma caipirinha, por favor. – Disse/gritou assim que o Barman fez sinal para ela. Entregou a comanda, e o rapaz fez um “X” em um dos quadradinhos que ficavam ao lado de onde dizia o nome da bebida.
Após dispensar dois caras, um maconheiro – fedia a erva – de cabelo encaracolado seguido de um boneco de academia, chegou sua caipirinha. Pegou o copo e foi em direção aos amigos.
- Quem era aquele bofe sarado? – Perguntou Fred.
- Sei lá, cara babaca. – Respondeu, Simone.
- Babaca, mas um tesão. Daria até ficar assado!
- Me poupe, Fred. Me poupe! – Simone protestou, e todos riram.
- Me da um gole? – Perguntou Marta.
- Claro. – E entregou o copo para a amiga morena de cabelos crespos, negros, nariz grande, mas com corpo e olhos fazendo uma disputa desgraçada de beleza.
- Atenção, Simoninha, Bofe as 6 horas. - Disse Fred.
Simone deu uma disfarçada e em seguida olhou. Fingia que ajeitava o cabelo. Viu um rapazote, com certeza era mais novo que ela, não sabia quanto. De repente não era tão mais novo. Podia ser só aparência. Ele olhava para ela e para Marta, como se as comparava. Definitivamente estava fazendo-o, pois homens não fingem estarem fazendo algo, eles fazem algo. Percebeu que ele olhava mais para Marta.
- Ta pra ti, Marta. – Cutucou-a.
Marta disfarçou mexendo em sua bolsa e olhou.
- És tu mesmo, meu gurizinho. Vem pra mamãe! – Aprovou.
- Ih... Perdemos a amiga... – Falou Simone.
- Tu que fez a besteira de mostrar pra essa tarada que ele ta secando ela. – Disse o Fred com tom e olhar de deboche.
Marta virou-se de costas para o admirador, ajeitou o decote do vestido preto e curto e foi em direção a sua presa. O grupo acompanhou com o canto de olho e não puderam deixar de rir da surpresa nos olhos do rapazote pelo fato de Marta ter ido até ele. Os amigos que estavam com ele saíram rápido da volta dele. Pareciam até mesmo assustados. Com certeza eram novinhos.
- Estou até vendo... Amanhã o bofinho vai estar ligando pra ela, todo apaixonado e ela pedindo pra eu atender o telefone... – Suspirou Fred.
- Até parece que tu vais fazer uma voz de homem. – Debochou Simone.
- Afugenta eles muito mais a minha voz de biba, ô mocréia. – Retrucou Fred. E os dois riram. – Hey... Onde a Júlia está indo? – Perguntou.
- Aquele ali não é aquele imbecil por quem ela é toda apaixonadinha, o tal do Gabriel? – Perguntou Simone.
- Ah, não! É ele mesmo! Achei que ela tinha esquecido aquele imbecil já! – Suspirou e balançou a cabeça. – Vou lá por um juízo naquela cabecinha. – E saiu.
- Olha o que tu vai falar, ela só tem dezessete!
- Fala mais alto que o segurança não botou a gente ainda pra fora! – Debochou Fred.
Simone olhou para o casal de amigos do Fred. Estavam no maior amasso. Suspirou e foi até o bar de novo.
A noite se desenhava solitária para Simone. Marta estava quase engolindo o gurizote. Fred discutiu com Júlia e acabou levando-a para casa, quando o tal do Gabriel passou agarrado com uma guria. Restava-lhe agora seus 40 reais e um bar com bons drinques.
Eis que, então, Simone acordou.
Era de manhã. Não tinha de fato aberto totalmente os olhos, mas uma claridade lhe incomodava. Abriu-os lentamente. Estava num quarto. Não era o seu. De Fred, talvez? Não. Alguma coisa se mexeu na cama. Girou o queixo rapidamente para o lado. Prendeu um grito. Um cara. Ali. Nu. Então viu que ela também estava do modo como veio ao mundo. Oh Deus, Oh Deus, Oh Deus, Oh Deus! Como foi parar ali? Dor de cabeça. Levou a mão a cabeça. Pensapensapensa. Dor de cabeça. Ressaca. Como foi deixar isso acontecer? Ou melhor, como seus amigos DEIXARAM isso acontecer? Ah, o cara deve ser algum conhecido. Um amigo? Um ex? Inclinou o corpo para ver quem era. Deus do céu... Nunca viu mais gordo. Pensapensapensa, Simone! Pensa! Teve uma idéia. Sorrateiramente iria sair da cama e, em seguida, daria o fora dali. Simone girou devagar sobre a cama e calmamente colocou os pés no chão. Carpete. Macio. Boa sensação. Levantou-se. Ficou de pé e varreu o quarto com os olhos. Encontrou o vestido, mas não sua calcinha. Olhou, depois olhou de novo, novamente e mais uma vez. Nada. Azar. Catou o vestido do chão e, quando ia colocá-lo...
- Já vai, Simone? – Uma voz falhada seguida de um pigarro se fez ouvir no quarto. Simone gelou. E agora. Fora pega no ato.
- Pois é... É... É que... Eu tenho que ir trabalhar, entende? - O cara se sentou na cama, com tudo a mostra, com uma cara de poucos amigos, mas era pelo fato de estar se acostumando com a claridade. Simone olhou para ele, e em seguida virou-se, mas lembrou que estava tão vestida quanto ele. Corou. – Vira pra lá, por favor!
O rapaz deu uma risada leve.
- Não tem nada aí que eu não tenha visto. – E se virou.
Simone bufou e saiu do quarto. Colocou o vestido e depois voltou. E flagrou o cara abaixado pegando a cueca no chão do quarto. Assim como entrou no quarto, saiu. Corou de novo.
- Não esquenta, guria... – O Fulano falou.
- Meus sapatos estão aí?
- Pode entrar, já estou decente. – Debochou. Simone não se importou.Entrou no quarto e pegou seus sapatos.
- Não queres tomar um café?
- Não, obrigada. Tenho que ir pro trabalho.
- Então a história de estar comemorando o início das suas férias era mentira? – Abriu um sorriso. Simone não se deu conta mas sua boca ficou aberta por uns três segundos, fazendo o ciclano dar uma risada. – Estou vendo que tu tomastes um porre daqueles mesmo então... – Ele sorriu e balançou a cabeça.
Simone corou novamente e baixou a cabeça. A maior vergonha que passara em toda sua vida.
- Lembras o meu nome? – O canalha insistia em torturá-la. Simone queria sumir. Daria tudo para que simplesmente virasse fumaça e “Ziuf!” saísse dali, pela janela. O desgramado ficou deliciando-se com o silêncio da pobre loura por alguns instantes, então, aproximou-se da coitada que estava com a cabeça baixa e com os cabelos tapando-lhe o rosto. – Paulo Machado, 25 anos, trabalhador autônomo, ao seu dispor. – Fez uma reverência. Simone olhou-o e nada disse no momento. Terminou de por seus sapatos e então falou.
- Preciso ir embora.
- Como quiser, senhorita. – falou enquanto fazia sinal para ela o acompanhar, ao passar pela porta do quarto - Peço desculpas se não fui de seu agrado. – Disse, por fim, ao chegar na porta de entrada de sua morada, que era na sala, logo após um corredor de 3 passos de tamanho. Simone viu sua bolsa em cima do sofá. Pegou-a e saiu.
Um mês depois...
“Muito bem, Simone, vamos apenas lá, e comprovar que é somente neurose da sua cabeça”.
Já era metade de maio e nada do famoso ciclo se completar. Não era a primeira vez que atrasara, mas estava encucada. Falou com uma conhecida que fazia os testes de gravidez e pediu pra fazer um. Esperou um pouco, cerca de uma hora. Não viu o tempo passar. Batia um bom papo com a moça – Flávia.
Um assistente do laboratório levou um envelope até Flávia, que, por sua vez, entregou-o a Simone.
- Ó, está aqui. – Falou simpaticamente.
Simone abriu, ainda descontraída pela bobagem que Flávia havia dito a pouco.
Então seu mundo virou de pernas para o ar pela primeira vez.

(Continua)

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