quinta-feira, 17 de março de 2011

"Algo que você não consegue entender" - Simone pt.2

        “Não! Nãonãonãonãonãonãonãonão! Isso não pode estar acontecendo! Não é possível! Puta que pariu! Putaquepariuputaquepariuputaquepariuputaquepariuputaquepariu! Grávida!! E o pior! Grávida do maior mico que já tive na vida! CARALHO! O filho duma puta não usou camisinha! É lógico! Se aproveitou que eu estava bêbada! Desgraçado! Como não tomei a merda da pílula do dia seguinte? Por que essa idéia genial não passou pela minha cabeça! E agora? O que vou dizer a minha família? Ao meu pai! Deus do céu! Vai me matar!”
- Flávinha, quero repetir o teste.
Flávia, que olhava com curiosidade para Simone, agora olhava-a com um ar curioso.
- Que aconteceu? Deu positivo?
- É... Mas não pode ser...
- Sem problemas, amiga, fazemos de novo.
- Obrigada. – Falou com um olhar de quem não estava presente na sala.
Uma hora depois...
- Ó, a prova real. – Flávia entregou o novo envelope para ela. – Simone, quero que tu saibas só que esses testes tem uma porcentagem de acerto absurdamente altas, mais de 95%... Pode ter sido um erro técnico, mas é raro acontecer...
- Eu sei... Eu sei... Mas é que... queria ter certeza absoluta.
- Entendo.
Simone abriu o envelope.
Deixou-o cair no chão, virou as costas e foi embora sem dizer nada, mas a resposta era óbvia.
“Não pode ser verdade isso! Não! Nãonãonãonãonãonãonãonão! Isso não pode estar acontecendo!” repetia para si mesma. “O que vão pensar de mim?! Está certo que já tenho idade para ser mãe... Não sou mais uma guriazinha, mas... Agora não... Nem marido eu tenho! Meu pai vai me matar... Ah vai! Certo que sim!”
Então, uma idéia veio a sua cabeça. “Aborto! Claro! Eu conheço alguns médicos que fazem! Acho que eles fariam pra mim sem problema nenhum! Claro...”
Parou e pensou no que havia pensado. Não! Jamais isso! Foda-se a sociedade e as morais que ela impõe. Mãe solteira grávida de uma farra da qual nem se lembra é feio para a sociedade... Mas assassinato... E o pior, assassinar uma criança... Sua criança... Seu filho... Ou filha!
Simone sorriu com a idéia de uma menininha correndo pelo seu apartamento. Fez o sinal da cruz e pediu perdão silenciosamente por ter pensado em aborto. Iria até a casa do Paulo e conversaria com ele. Teria que ir até lá de surpresa. Descobriu que tinha anotado o numero dele no dia que saiu da casa do imbecil e apagou o número. Ele também não ligara. Na verdade ligou uma vez, mas ela não atendeu. Não queria falar com ele. Uma porque era um imbecil e a outra era porque pagara maior mico de sua vida, justamente para aquele imbecil.
Decidiu, hoje mesmo iria a casa do Paulo e falaria com ele.
O fim de semana chegou e Simone não foi a casa do Paulo. Vergonha. Alegava isso. Ensaiou 37653625 vezes o que iria dizer. Certa vez chegou na esquina da casa dele e deu meia volta. Mas hoje era o dia. De hoje não passaria. Hoje, Domingo seria o dia em que iria dizer ao... Ao... Não conseguia pensar que aquela... Coisa... Seria o pai de seu filho. Mas seria hoje. E foi.
Chegou defronte ao prédio do Paulo. Respirou fundo. Foi.
Era por volta de 14h de uma tarde ensolarada de domingo. O porteiro, um senhor de cabelos grisalhos e olhos castanhos, magro e trajando o uniforme - uma camisa social azul clara e calças sociais pretas - do prédio viu Simone entrando. Perguntou aonde ela ia.
- Apartamento do Paulo Machado.
- Ah, sim... Pode subir, ele está em casa. – Falou o senhor, não conseguindo esconder a admiração pela beleza da loura.
- Obrigada. – Sorte grande!
Entrou no elevador. Ensaiava o que ia dizer e as possíveis respostas que poderia ouvir. “Vá se foder, caralho” era uma. Respirou fundo. Parece que era o que seria. Mãe solteira. Mas e se o infeliz ficasse contente? Não namoraria-o! Pediria uma pensão e o desgraçado teria direito de ver a criança só nas quartas-feira. Fim de semana o cacete. Capaz de trancar a criança em casa e sair para vadiar. Arrumar uma cretina qualquer, arrastar para o apartamento e... E... Fazer o mesmo que fez com ela mesma... Como pode deixar isso acontecer! Era isso o que pensava de si mesmo. Uma cretina. Uma vadia. Uma qualquer. Uma mulher que bastava beber que se transformava numa vagabunda e ia pra cama com o primeiro imbecil que aparecesse. Grávida de um imbecil... Definitivamente não era isso que tinha planejado para si mesma. Não era a vida que queria. Abortar não! Jamais! Será a sua criança. Receberá todo o carinho que merece. É isso. Crianças são uma dádiva. Um presente de Deus. Mesmo as noites em claro por causa de crises de choro para se trocar uma maldita fralda... Valerá a pena. Simone queria chorar, mas sorria. Seria mamãe. Ela, que sempre gostou de crianças. Seria uma mamãe. Sentiu os olhos marejarem. Assim que o elevador chegou ao andar de Paulo – o sexto – já tinha lágrimas escorrendo pelo rosto. Enxugou-as com as costas das mãos. Saiu do elevador e respirou fundo.
Era um corredor largo, com uma porta de apartamento logo a esquerda, fechando-o. Número 61. Não era esse. A direita o corredor bifurcava para a direita, novamente. Girou o corpo a para a direita, ficando de costas para a primeira porta descrita. Em frente estava um apartamento no fim do corredor - número 64, também não era esse - e a bifurcação a direita. O apartamento não era o da frente, então, dobrou a direita. Agora havia três portas, duas a esquerda e uma a direita. A primeira da esquerda dava para as escadas, sobrando as outras duas, uma de frente para a outra, no fundo do corredor. Simone caminhou até lá a passos que se arrastavam. Analisava o revestimento do corredor. Lajotas verdes do tamanho do palmo de uma mão adulta. O piso era uma cerâmica porosa e clara, provavelmente branca, mas a sujeira no chão não dava certeza. Simone foi até o fim do corredor. Olhou para a porta da esquerda. Número 63. Não era essa. Só pode ser a da direita.
Simone respirou fundo novamente. Abanou o rosto com as duas mãos. Parou. Observava suas mãos. Tremiam. Não só as mãos. Simone tremia completamente. Claro, sabia que não seria fácil bater na porta de um homem que você mal conhece e dizer “Oi, lembra de mim? Pois é! Estou grávida de você!”. Ainda mais esses cachorros que adoram brincar de fazer filho, mas depois não assumem nada. Desanimou-se. Pensou em ir embora. Girou sobre os calcanhares e deu um passo em direção ao elevador. Parou. Pensou. Respirou fundo. Voltou e, sem pensar, apertou a campainha.
Esperou.
Nada.
Apertou de novo.
Nada.
Não devia estar em casa... Apertou mais uma vez.
- Já vai! Já vai! Onde é o incêndio!? – Escutou abafado do outro lado, seguido de um murmúrio indecifrável.
Paulo tossiu e pigarreou. Destrancou a porta e abriu-a. A porta deu uma leve rangida e Simone olhou para ele. Paulo se surpreendeu. Trajava apenas calça jeans.
- Ora, ora... Se não é a Simoninha... A que devo tamanha honra?! – Fez uma reverência. – Por favor, entre em meus humildes aposentos. – Simone nada disse, apenas respirou fundo e entrou. – Oi, tudo bom, Paulo, como tem passado? – Debochou Paulo, assim que a loura entrou.
Simone foi até o sofá da sala e ficou de pé, de costas para o sofá e olhando para Paulo. Paulo fechou a porta, foi até Simone e, com um gesto de mão, ofereceu assento para a moça.
- Obrigada. – Simone disse ao sentar.
- Que bom, reaprendeu a falar. – Debochou.
- Sem gracinhas, por favor. – Protestou.
- Ok, ok... Senti saudades... Liguei mas você não atendeu e...
- Eu tenho uma coisa muito séria pra te dizer, Paulo. – Paulo olhou para Simone com uma certa apreensão, mas disfarçou, continuando.
- Como eu dizia, também – frisou o também - senti saudades, não tive nenhuma noite daquelas com nenhuma outra mulher e...
- Eu estou grávida, Paulo. – Simone declarou. Assim. Do nada. Paulo ficou estático. Ainda mais quando, menos de um segundo depois de Simone terminar, ambos ouviram “Você está conversando com quem. Paulo?” vindo do quarto. Voz de mulher. Mulher jovem. Paulo tirou o sorriso da cara e Simone tremia.

(Continua)

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