quarta-feira, 2 de maio de 2012

Prosa à CHB


            Era inverno. Junho. Faltava uma semana para o meu aniversário. Estava sozinho em casa. Família viajando. Não tinha ninguém. Preferia a compania de um fardo de cervejas e algumas garrafas de cachaça. A última mulher que tinha amado me negara seu coração. Duas vezes. Resolvi que era melhor tirar férias disso. Talvez para sempre. Acho que não. A simples visão de um casal me deixava doente. Risinhos, carícias, diálogos de seis anos de idade mental, cinema, lanches, restaurantes, beijos, e toda a sorte de palhaçada retardante. Por isso não viajei com a família. Meu irmão iria levar a namorada junto e todos iriam para a casa do meu outro irmão, esse mais velho, em uma cidade a quinhentos quilômetros daqui. Ele é casado e tem duas filhas.
            Enfim, açúcar demais.

            Eram seis da tarde. Tinha comprado alguns charutos numa mercearia distante. Na caixa diziam ser cubanos. Não entendia muito do assunto e paguei a mixaria proposta pelo dono da mercearia. Eu sabia da fama desses charutos, o que causou a minha estranheza perante o preço. Não dei bola. Tinha acordado a cerca de uma hora e não tinha almoçado ainda. Não por falta de comida. Muito pelo contrário. Havia comida o suficiente para alimentar dez pessoas por uma semana. Minha mãe tinha preparado tudo. Era só esquentar e comer mas não tinha a mínima vontade. Um pouco de preguiça também.
            O telefone tocou. Atendi. Era Douglas.
            - Posso passar aí? – Ele perguntou.
            Pensei um pouco. Ah, pro inferno.
            - Claro, cara.
            - Como chego aí?
            - Desce na parada depois do colégio. Segue reto pela rua até acabar o calçamento, isso vai dar uns nove quarteirões. Dobre à esquerda. É a casa com um pastor alemão na frente. Não tem erro. – Fiquei na esperança de que ele desistisse, por causa da longa viagem de ônibus, cerca de uma hora, e, depois, mais vinte minutos de caminhada, que, por causa dos quarteirões serem maiores que os do centro da cidade, aparentarem tornar o percurso duas vezes maior, assim como o tempo.
            Não me leve a mal. O Douglas é um grande sujeito, mas não tinha vontade de fazer nada e nem de ver ninguém.
            - Certo, brother, em uma hora eu chego aí. – Suspirei mentalmente – Se eu me perder, te ligo.
            - Não tem como errar.
            - Certo. – Desligou.
            Desliguei e servi uma dose de cachaça. Sem gelo.
            Enquanto isso, eu pensava: “28 anos, sem mulher, sem emprego, moro com meus pais e não sei cozinhar, nem lavar e muito menos passar.”.
            Emborquei duma vez só o martelinho de cachaça. Fiz uma careta, me arrepiei, botei a língua para fora e sacudi a cabeça. Servi mais uma dose e, acendi um charuto e esperei. Enquanto isso, um vizinho filho de uma puta ligou o som do carro fazendo penetrar no meu ouvido, como um caralho de 30 cm em uma xota virgem, um funk nas minhas orelhas. Filho de uma puta de D.J. de rua do caralho. Era como se fosse pago pelo governo para botar essas merdas pra tocar nas ruas.
            Pau no cu.

            Achei que teria um pouco de sossego depois que o filho da puta do D.J. de via pública resolveu desligar o som, mas dez minutos depois Douglas chegara. Bateu palmas, assobiou e o cachorro latia. Praguejei e levantei da poltrona da sala. Percebi que não havia acendido uma luz sequer na casa quando tropecei num puff marrom com rodinhas. Praguejei novamente. Douglas continuava batendo palmas e assobiando, e o cachorro latindo.
            Abri a porta e mandei o cachorro tomar no rabo.
            - Tá querendo se esconder de quem? – Perguntou, fazendo piada da localização da minha casa.
            - De filhos da puta cretinos que nem você. – Ele riu e nos abraçamos. Notei que ele carregava uma sacola. – O que tem aí?
            - Heinekens.
            - Eu te amo, cara.
            - Eu sei. – Entramos em casa. – Tu estás fedendo a cachaça.
            - É uma artesanal que eu comprei. Quer um pouco?
            - Claro. Com gelo.
            - Veadinho.
            Entreguei pra ele a dose.
            - Que tens feito? – Perguntou.
            - Bebido, jogado vídeo game, jogado computador, bebido, tocado bronha, e, quando sobra tempo, escuto música... Ah, e escrevo um pouco.
            - Devias investir nisso.
            - Em beber? Ou na punheta?
            - Não, escrever.
            - Oh... pois é, deveria...
            Ficamos em silêncio por algum tempo.
            - E tu? – Abri uma garrafa de cerveja e perguntei.
            - Bem, era sobre isso que queria falar contigo... Por isso que eu quis vir. Estou apaixonado, cara!
            - Boa sorte. – Saudei-o com a garrafa e entornei.
            - Estou inseguro.
            - Corta essa... Qual o nome? – Arrotei.
            - Não sei.
            - Essa é boa. – Tomei mais um talagaço – Eu amo essa cerveja! – Beijei a garrafa. – Agora me diz uma coisa: Como que tu, com trinta anos, amas uma mulher em nem sabes o nome...? Não me diz que voltasse a jogar essas merdas de RPG online?!
            - Não! Não é isso... Ela mora numa casa no mesmo condomínio que eu. Sabes né? Aquelas bixeiras de quarto/sala/cozinha e um banheiro, menores que um kitnet que o governo construiu e as pessoas acabaram abandonando, não dando à mínima se iriam para a cadeia pelo abandono do benefício. Bom, depois de muitos vagabundos ocuparem o lugar, alguém comprou aquilo lá e deixou de herança para a nossa atual senhoria. É uma mulher jovem, bonita, mas é uma filha duma puta sacana. Só quer saber de ser fodida por uns tipos desses de academia, daí resolve dar o troco e foder com os outros. Enfim, ela quer expulsá-la por dever apenas dois meses de aluguel.
            - Desempregada?
            - Não. É puta mesmo. Mas é a mais bela que eu já vi.
            - Se é bela e é puta, como que está sem dinheiro?
            - Ela bebe. Acho que cheira também. Os boatos são de que ela foi deixada no altar. Três vezes.
            - Você é louco.
            - Acho que sou mesmo... Quero ajudá-la, sabe? Me sinto mal de vê-la sofrer assim e não poder fazer nada.
            - Bem, se ela é uma puta, tem uma forma de ajudar...
            - Não quero pagar para tê-la. Aliás, me demiti lá do porto.
            - Asno.
            - Não aguentava mais.
            - Reclamava os teus direitos, dessa forma, eles te demitiriam. Ser revolucionário incomoda muita gente. Assim, como os elefantes. – Acho que já estava bêbado.
            - Pois é... Não tinha pensado nisso... Ganharia o seguro...
            - E as indenizações.
            - E as indenizações... – Olhou pro nada por uns instantes e então baixou a cabeça. Ficamos assim por uns minutos. Ele de cabeça baixa e eu bebendo cerveja e fumando charuto.
            - E o teu último salário? Sobrou algo? – Perguntei.
            - Não muito. Tenho para voltar para casa e tomar mais um porre.
            - Arrume um novo emprego.
            - Estou cheirando a cachaça. Criei esse hábito desde que a Joana me deixou, lembra?
            - Então, pare de beber. Dê uns... Sei lá... uma semana, tome uns banhos, corte o cabelo, faça a barba, desamasse o terno e saia distribuindo currículos.
            - Isso! É isso que farei! Acho que ali na barra eu posso conseguir algo... Tenho experiência no porto né... Bom, adeus cerveja! Vou jogar pro santo.
            - O santo que vá tomar no rabo. Não vem merecendo trago nos últimos tempos. Passa essa merda pra cá.
            - Tudo bem.
            Douglas foi embora, mas antes terminou o fardo de cerveja e as Heinekens comigo.
            Sobrara um resto de cachaça artesanal, mas já estava enjoado dela. Eram onze horas da noite. Abri a adega do meu pai, peguei um uísque, servi uma dose, pus gelo, e entornei. Servi outra dose e acendi mais um charuto. Era o último. Liguei a TV e coloquei em um canal onde só tocava música. Blues para ser mais preciso. Robert Johnson uivava uma de suas principais canções, mas eu não reconheci qual. Sentei na poltrona bege, traguei o charuto e liberei a fumaça. Minha mãe ia me matar por causa do cheiro. Dei outra tragada.

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