segunda-feira, 1 de outubro de 2012

As Crônicas de Folsom - Joe Bean


            O nascer do sol jorrava seus raios sobre toda a Califórnia. Viajava pela falha de San Andreas, atingia em cheio o letreiro de Hollywood e todos os estúdios que de cinema que a cidade possuía. Atravessava algum vão de uma porta qualquer, acertava as folhas de uma macieira. E cria a ilusão, em conjunto com a atmosfera, de que o céu diurno é azul.
            Um conjunto de raios em particular viajou pelo espaço, chegou até a cidade de Folsom, mais precisamente na prisão de Folsom. Para ser ainda mais específico, atingiu uma janela em especial. Uma que não possuía vidros, apenas três barras de ferro de uma polegada de espessura cada. Alguns desses raios chegaram as pálpebras de um jovem rapaz, que estava deitado na cama dessa cela.
            Com a luminosidade, Joe acordou. Estava com frio, uma vez que não tinha nenhum tipo de coberta para se tapar durante o sono. Esfregou os braços para tentar aquecer o corpo. Olhou na parede o calendário improvisado que fez, para saber precisar a passagem do tempo. Sorriu. Era seu aniversário. Completava hoje vinte anos. A felicidade, assim como veio, se foi, dando lugar a melancolia, afinal, ironicamente, hoje era o dia em que sua sentença seria cumprida.
            Escutou um martelar do lado de fora, no pátio, o que lhe fez os pelos da nuca se arrepiarem e um bolo se formar em seu estômago. Segurou-se em duas das três barras, fez um pouco de força, e conseguiu erguer o corpo os quarenta centímetros necessários para conseguir ver o pátio da prisão. Estavam construindo, ali, a forca. Seu destino final.
            Lembrou-se que, em sua última carta, mamãe havia dito que estava indo ao capitólio, para pedir ao governador por um pronunciamento sobre sua terrível sentença, afinal, Joe era inocente! E ela tinha como provar.
            Joe rezava. É o que lhe restava. Fora condenado pela morte de vinte homens no estado do Arkansas. Como poderia matar vinte homens no Arkansas sem nunca ter ido ao Arkansas? E melhor, como ELE poderia matar vinte homens no Arkansas numa época em que tinha apenas dez anos de idade? Não sabia. Sabia apenas que tinha sido preso e condenado à morte... Antes tivesse matado os vinte infelizes.
            - Joe Bean! Joe Bean! – Uma voz grave chamava por seu nome. Reconhecia a voz, era o tenente Viper.
            - Cela 10! – Respondeu Joe. O homem parou de gritar seu nome e só caminhava. Alguns presos praguejavam por causa do escarcéu, pois queriam dormir. O estalar dos coturnos do policial aumentavam e ele fazia questão de gritar para os presos que protestavam contra o barulho para que calassem as malditas bocas.
            - Joe Bean, você vai tomar café cedo hoje. Cortesia do Sr. Folsom pelo seu último dia aqui. – Viper abriu um sorriso sarcástico. Joe nunca se abalava com o jeito petulante do policial, mas aquilo que acabara de fazer foi o ato mais anti-humanitário que já sofrera. O sujeito tinha colhões para fazer piada com a cara de um homem, em seu último dia de vida, exatamente por esse motivo: Era seu último dia de vida. Viper deu a ordem para que Joe virasse de costas e colocasse as mãos no vão que há entre as grades. O condenado acatou e o policial algemou suas seus pulsos, logo em seguida abriu a porta da cela e ordenou que Joe o acompanhasse.
            - O que tem para comer? – Perguntou Joe.
            - O de sempre. Só que agora vem um ovo frito e estarás sozinho. Em paz. Sem a presença desse monte de merda.
            - Quanta gentileza. – Ironizou.
            O café foi a mesma merda sem gosto de sempre, e, como o policial tinha dito, veio um ovo frito. Mas estava frio. E sem sal.
            - A hora da sua sentença saiu, Joe Bean. Será as duas da tarde. – Viper falou assim que o recolocou na cela.
            - Alguma correspondência da minha mãe ou do capitólio? – Viper riu.
            - E porque o capitólio iria querer falar com você, seu merdinha?
            - Porque sou inocente. – Viper riu mais alto.
            - Claro que é. – Disse ao meio das risadas enquanto enxugava uma lágrima.
            Não era justo. No dia em que o tal assassino matou os vinte caras, ele tinha dez anos de idade, porra! Como poderia ter matado vinte caras!? Aliás: “Eu estava em Santa Fé... Cometendo pequenos delitos... Batendo carteiras... Roubando dinheiro do lanche de meninos e meninas defronte algumas escolas de riquinhos que faziam pose de quem tinha classe...”, pensou. Bateu com a cabeça na parede algumas vezes. Como queria ter, pelo menos, matado algum dos caras para merecer esse fim miserável.
            Ao meio dia, Viper, novamente, retornou a sua cela.
            - Tens direito a uma última refeição ou a um maço de cigarros e um banho de sol de uma hora exclusivo, ou... – o policial falou entre dentes visivelmente enraivecido – Uma garrafa da bebida que quiser. – O homem estava vermelho de raiva - Você que escolhe.
            - Pode ser uma garrafa da Vodca mais vagabunda que vocês tiverem aí...
            - Isso aqui não é um maldito bar e eu não sou a porra dum barman para ficar servindo um pedaço de merda que nem você. – Viper bateu com o cassetete na cela, fazendo o barulho característico do ferro chacoalhando, virou as costas e saiu praguejando, dizendo que iria falar com o diretor a respeito de parar de enviá-lo para ser garçom de filho da puta assassino. Joe sorriu, pois sabia que nessa ocasião, eles davam o que o preso pediam e Viper deveria trazer o seu último pedido.
            Tomou toda a Vodca e, logo, chegou a hora.
            - Joe Bean! Joe Bean! – Uma nova voz chamava por si. Era uma voz mais aguda dessa vez, indicando que era o sargento Matlock.
            - Cela 10! – Gritou com a voz embriagada.
            - Vamos, Joe... – O homem era mais novo que Viper e, visivelmente, mais mole. Odiava quando o faziam escoltar um condenado a morte. Era sempre muito triste, por mais que fosse um filho da puta matador de criancinhas. Não era o de Joe, mas era sempre triste. Joe pôs os punhos no vão e o homem o algemou.
            Em sua caminhada até o pátio, alguns presos debochavam, outros lhe desejavam paz e outros ainda não davam a mínima. A maioria dizia “Te vejo no inferno.”. Joe estava feliz, pois estava bêbado. Afinal, conseguiu tomar um porre no seu último aniversário. Sorriu quando pensou que, se estivesse sóbrio, poderia sentir alguma dor. “Aquela garrafa de Vodca foi a melhor escolha da minha vida.”. Joe deu uma gargalhada. Matlock ficou perturbado. Nunca iria se acostumar com as diferentes reações que cada homem tinha minutos antes de sua morte anunciada. Decidiu que, depois disso, iria pedir sua transferência. O dinheiro a mais que recebia por trabalhar na prisão não estava compensando.
            Joe subiu as escadas que levavam ao palanque onde a forca fora montada. O carrasco estava a postos. Então o autofalante do pátio deu uma forte microfonia, fazendo, os que podiam, cobrir os ouvidos. Uma voz metálica saiu dali em alto e bom som. Era a voz do diretor:
            - Atenção Joe Bean! Atenção! Temos uma mensagem direto do capitólio e assinada pelo governador. – Joe sorriu de alegria, era a sua salvação! O diretor pigarreou. – “Ouvi sua comovente história, senhor Joe Bean. A Sua mãe veio pessoalmente até Washington D.C., falou com todas as minhas secretárias e esperou incansavelmente até que eu tivesse uma brecha em minha agenda para poder falar-me. Foi uma tremenda falha da Justiça dos Estados Unidos da América ter marcado a sua execução no dia de seu aniversário. Mas eu não posso fazer nada em relação a isso. Tudo o que posso fazer é me juntar a sua mãe e lhe desejar um feliz aniversário.”. – Então o autofalante ficou mudo. Segundos depois, Joe não ouvia mais som nenhum.

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