sábado, 6 de outubro de 2012

Não atire no moribundo!

            Era uma saleta quadrada, do tamanho de uma sala de espera de pequenos consultórios médico. Estava escura e não tinha janelas. Uma mesa amarela velha logo abaixo de uma lâmpada incandescente de 40 watts, duas cadeiras de madeira na frente e uma atrás dela de couro rasgado e preto, aparecendo às espumas amarelas do estofamento, reclinável e giratória e com rodinhas. A sala tinha um pé direito alto o suficiente para um homem de um metro e oitenta centímetros ficar em pé e se sentir claustrofóbico. Havia um telefone vermelho, desses de girar o disco – que dá origem ao ato de “discar” um número para se telefonar -, uma folha de ofício, uma caneta bic que, pelo seu aspecto, deve ter sido achada no chão em algum lugar. Tudo em cima da mesa em notável desordem. No canto, atrás da mesa, tinha um armário de arquivo desses acinzentados e com três gavetas.
            Dois homens entram na sala. Um negro e um branco. O Negro entrou primeiro, acendeu a luz, suspirou e foi em direção a cadeira de couro. Carregava consigo uma pasta de couro preta mofada e desbotada. Largou-a em cima da mesa, sentou-se, abriu uma das gavetas da mesa, retirou dois copos e uma garrafa de uísque vagabundo, que estava pela metade, serviu uma dose nos copos, reclinou-se e botou os pés em cima da mesa, sujando de terra a folha de ofício. Estava de traje alto esporte todo preto. O branco se sentou numa das cadeiras de madeira e tentou ficar confortável e não conseguiu. Ele era moreno, cabelos pelos ombros e lisos, usava uma barba cerrada, porém curta. Pegou o copo e começou a bebericar. O Negro entornara o copo de uma só vez e servia uma nova dose.
            - Queria um cigarro agora mesmo. – Disse Dave, o branco.
            - Seria suicídio nessa sala sem janelas. – Disse Jones, o negro.
            - As coisas não andam bem.
            - Faz horas... – disse enquanto batia com a unha do dedo médio no copo.
            Ficaram em silêncio por um minuto. Jones serviu mais uma dose para cada um e depois disse:
            - A Williams não amadurece. Desde que aqueles dois bunda moles saíram da banda, eles não lançam nada novo, e já se vão aí quanto tempo? Três anos?
            - Não sei, não tenho os acompanhado.
            - Romancezinho adolescente só em livros, por favor, e olhe lá!.
            - Pois é... Mas tem esperança...
            - É... Osbourne reuniu a corja, Cornell e companhia também. Só falta o Vedder fazer outro “dez” e podemos respirar aliviados.
            - É o mesmo que pedir para o polaco ressuscitar e fazer “esquece” novamente.
            - Faz falta...
            - E como...
            - Tocava com ele, né?
            Dave não disse nada, apenas assentiu e terminou a sua dose. Jones foi servir novamente, mas ele gesticulou com a mão, fazendo o afro entender que não queria mais.
            - Vi nas notícias que aquela vaca não tem mais os direitos da imagem dele.
            - Finalmente. Consegui convencer a garotinha. Agora ela está com a gente.
            - Boa... Você fez um bom trabalho com o último álbum, Dave. Era o que estávamos precisando.
            - O teu último também não é de se jogar fora. – brincou com o amigo e ambos riram – Esse estilo “rockstar” de pegador também faz falta. É uma atitude que não se vê nessa gurizada.
            - Agora o pegador fala “e ela faz faculdade eu aqui aprendendo a dirigir” ou coisa do tipo.
            - É o resultado de dar uma guitarra para garotinhos mimados. Agora está assim, como se fosse um DVD da Meneghel.
            - Sei. Eu não acredito que as coisas chegaram aonde chegaram. O que foi que fizemos de errado?
            - Acho que começou lá com o Joe... Largaram o surf/punk e pintaram os olhinhos.
            - Ah... Acho que deve ter sido isso mesmo. Só precisou de um mau exemplo pra ferrar de vez com o esquema todo.
            - Acho que confundiram as coisas. Não fizeram mais músicas depressivas sobre questões adultas, mas sim sobre questões adolescentes. Agora temos um bando de barbados com crise que se tem dos quatorze aos dezessete anos. É patético... O polaco não era assim. Não mesmo...
            - Ah, o Loeffler vem fazendo algo parecido. Estão começando a estourar.
            - Verdade... O que me revoltou foi o Kroeger...
            - Nem me fala... Aquele violãozinho e com efeitinho de voz... Vomitei.
            - Faz falta o Polaco...
            - É... Aqui, beba mais um pouco.
            - Tudo bem. – Jones serviu mais uma dose e ficaram ali, sentados, esperando o tempo passar. Tentando entender quando que as coisas chegaram nesse ponto e como que aquelas porcarias que andavam tocando por aí tinham tomado os seus lugares. Era difícil de dizer. Talvez tenha sido a juventude que mudou, talvez não. Ou talvez o esquema tenha morrido só que os médicos ainda não deram a notícia ainda, ou, simplesmente, ninguém queria admitir.

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