sexta-feira, 2 de agosto de 2013

As Crônicas de Folsom - Fonográfica (pt. 1 de 2)

            Jack havia chegado em casa depois de um longo dia no trabalho. Era tarde da noite. Os filhos, Brenda e J.J. já estavam dormindo. Largou a pasta em cima do console, que fica ao lado da porta de entrada, e o sobretudo no cabideiro. Era início de abril, o que significa que a primavera estava recém começando em Seattle, não que isso queira dizer muita coisa, afinal, temperaturas baixas são constantes, mas nada que o sistema de calefação da casa não pudesse resolver. Jack largou as chaves também em cima do console e começou a subir as escadas, tentando fazer com que os passos exaustos e pesados não acordassem as crianças.
            Chegando ao segundo andar, notou que a porta do seu quarto estava aberta e que o inconfundível brilho de uma TV acesa num ambiente escuro pulsava. Com calma foi até lá e encontrou a esposa – Mônica – adormecida sobre a cama. Chegou ao batente da porta, escorou-se e amaldiçoou-se pela falta de sorte. A bela morena, que manteve o corpo esbelto e sensual, mesmo após duas gravidezes, esperava por seu marido, vestindo uma lingerie nova. Era uma baby doll branca de seda e a calcinha, também branca, de rendinha. Ela até estava usando uma gargantilha preta, o acessório favorito de Jack. Tudo indicava que a noite seria daquelas para serem lembradas... Frustrado, tomou seu banho, amaldiçoou o merda do cantorzinho que teve que matar, e teve que contentar-se em dormir de conchinha com a esposa.
            No dia seguinte, Jack aguardava Frank no lugar combinado: um café defronte a estátua de Jimi Hendrix, mas na calçada oposta. O lugar estava movimentado, como sempre, e Jack estava ficando sem paciência com o atraso do contratante.
            - Fez um belo trabalho, heim, Jack. – Frank largou o jornal do dia com a manchete principal “Astro do Rock é encontrado morto na própria casa” em cima da mesa. Jack consultou o relógio e não fez questão de olhar para o homem.
            - Está atrasado.
            - E daí? O interesse é todo seu, meu camarada.
            - Trouxe a grana? – ignorou o comentário do sujeito baixo, gordo e com uma careca bem no topo da cabeça, rodeada por ralos fios loiros, que trajava uma jaqueta azul marinho.
            - E alguma vez eu esqueci?
            - Por que demorou?
            - Está brincando, certo? – Frank se sentou, tateou os bolsos atrás do maço de cigarros e do isqueiro, acendeu, deu uma baforada para o alto, se inclinou e baixou o tom de voz, enquanto Jack sorvia um gole de café. – Você acaba de matar o maior astro rock da atualidade, febre mundial dos últimos cinco anos e não quer que eu não pegue um congestionamento de trânsito devido a manifestos de luto protagonizados pelo seu bando de fãs retardados?
            - Eu não peguei engarrafamento nenhum.
            - Ah, não me amola, Jack. Como eu disse, o interesse é todo seu. Você é quem tem que esperar eu chegar com a grana, que não é pouca, diga-se de passagem.
            - Escuta aqui, seu gordo careca de merda, ontem eu perdi o que foi, provavelmente, uma das melhores fodas que eu daria com a minha esposa por causa desse polaquinho de merda que vocês quiseram enterrar. – Frank começou a rir.
            - Calma, Jack. Calma... Não desconte em mim... Eu sou o cara das boas notícias, lembra? Eu te dou o recado e te recompenso pelo seu belo trabalho. Olha, o cara que tinha que morrer... A culpa é dele que você não comeu a sua mulher e... Veja bem, você já se vingou dele antecipadamente, e eu estou te pagando por isso. – Jack não pôde deixar de concordar com o homem, inclusive amoleceu a expressão do seu rosto. – Isso, agora está melhor... – emendou ao ver a expressão se afrouxar - Olha, vou deixar ainda melhor. Escolhe o que quiseres pra comer. Nós pagamos. Fica por conta da Fonográfica. Que tal?
            - Certo, Frank... Tudo bem... Mas, eu não entendo, cara... Se o sujeito era tão bom, porque vocês decidiram matá-lo? Agora ele, obviamente, não vai mais poder fazer nada novo, entende?
            - Olha, eu não devia te contar isso, cara, porém, nos conhecemos já faz dez anos... Não vejo problemas... Enfim, vamos lá: a verdade é que, não nos interessa.
            - Como assim?
            - Jack, não somos nós quem decide quem morre. Nós somos que nem você, meu camarada. Nós somos apenas o fragmento que age. Quem decide são os próprios donos desses sujeitos.

            - Não estou entendo. – Uma garçonete se aproximava, os homens trocaram o assunto por outro cheio de trivialidades para disfarçar. A menina, loira, dezesseis anos, usando uma camiseta preta com o rosto do cantor assassinado, estava visivelmente abatida e perguntou o que ambos iriam comer. Jack pediu um sanduíche de carne e Frank apenas um café bem forte. Ambos tiveram que repetir, porque ela não parecia prestar atenção. Só quando tiveram certeza de que ela não poderia ouvi-los, retomaram a conversa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário