quarta-feira, 14 de agosto de 2013

As Crônicas de Folsom - Passos Perdidos

            Estava escuro. Muito escuro. Luana havia se perdido naquela floresta. Escuridão total. Olhava para o céu. Não havia estrelas. Não havia Lua. Apenas o negro, o vazio, a imensidão do nada. Olhava para frente. Nada. Olhava para o chão. Nem os pés enxergava. Sabia que eles estavam ali, todavia. Sabia disso porque doíam. Perdera a noção do quanto andou por lá. Curiosamente não conseguia lembrar quando se perdeu, e nem como se perdeu. Recordava de estar ali, perdida. Entretanto, não era amnésia. Lembrava do seu nome, da sua idade, de como era quando tinha dez anos, quatorze anos, dezesseis e dezoito anos, de suas alegrias, sonhos, desejos... Enfim, tinha plena ciência de suas memórias.
            No entanto, não sabia onde estava ou para onde ia. Esbarrou em uma árvore. Levou as mãos ao rosto, tateando-o para se certificar de que tudo estava onde deveria estar. Sentou-se. Continuava com as mãos no rosto. Começou a chorar. Soluçava a pobre alma. Desespero e exaustão vertiam por aqueles lindos olhos castanhos, acompanhando as lágrimas.
            Após um tempo que não conseguia precisar, acalmou-se. O choro aliviara um pouco a alma. Concentrou-se para tentar acostumar os sentidos à escuridão. Percebeu que o lugar era mais macabro do que pensara. Tinha certeza de que se tratava de uma floresta – ou bosque -, pois lembrava de adentrá-la, daquela entrada macabra, onde as árvores formavam uma espécie de passagem, levando a um corredor sombrio, que a cada passo escurecia. Logo em seguida tentou fazer o caminho inverso, porém, não encontrou mais a saída. Tendo essa certeza de que se encontrava em uma espécie de bosque, não conseguia escutar os sons da fauna. Na verdade os únicos sons que conseguia ouvir eram o do vento agitando as árvores, e os seus passos. Percebeu, assim que inspirou com força, que, gradualmente, seus sentidos estavam lhe falhando. O cheiro forte e penetrante do capim e da terra, agora não passavam de leves fragrâncias sentidas a uma distância considerável. Não sentia mais o contato de suas mãos em seu rosto. Sua boca, agora, era como um grande buraco recheado de nada. Nem a saliva sentia. Tocou sua língua. Ou, pelo menos, pensava ter feito isso. Nada. Silêncio. Silêncio... Silêncio... Não lembrava de jamais ter testemunhado tamanha ausência de ruídos, então, gritou a plenos pulmões. Ou pelo menos fez os movimentos... Ou não. Simplesmente não sabia se havia obtido êxito. Não sabia mais se estava sentada, se estava deitada ou de pé. O que lhe confirmava que ainda existia era sua capacidade de pensar. Tinha consciência. Tinha medo, pavor, desespero... Lembrou-se novamente de seus sonhos, de seus desejos... De suas ânsias...
            Mais uma vez perdeu a noção do tempo. Com o que restou de sua existência, ordenou que suas pernas se movessem. Ainda não sabia se a ação tornou-se concreta ou se era apenas uma mera abstração de um sopro de ser. Talvez sim, talvez não. Não esbarrou em nada, pelo menos. Será?
            Acreditava que andava. Já sem esperanças, as mágoas, arrependimentos... Tudo o que havia deixado de fazer, o que fez e jamais queria ter feito, passavam em sua mente como um filme. Pedia perdão, mas não obtia resposta. Suplicava. Ainda sem resposta.
            Inimagináveis e imensuráveis momentos depois decidiu que “tanto fazia”. Havia fugido durante toda a vida daquilo tudo e, quando chegou ao ponto de implorar o perdão divino, ficara sem uma maldita resposta. Relembrou outra vez seus sonhos e seus desejos. Agarrou-se ferrenhamente a eles. Sentiu que algo mudava dentro de si e ao seu redor.
            Continuava sem enxergar nada, mas o som... Os sons, melhor dizendo, voltavam lentamente. Sentiu um leve cheiro de terra molhada. Em seguida, o do capim. Dormência. O corpo todo estava dormente agora, formigava.
            Passos. Escutou passos. De todos as direções. Inclusive acima e abaixo de si.
            Ao seu redor, uma luz começou a brilhar. Conseguia enxergar parcamente o que havia a sua frente. Apenas borrões que, aos poucos, tornavam-se nítidos. Visualizou uma silhueta a sua frente. Ela projetava uma sombra enorme no chão. A imagem dele e de tudo o que ele representa para si se formava em sua mente. Rápida e surrealmente a distância entre ele e ela aumentou, tornando-o apenas uma mancha em uma clareira ao longe.
            Luana começou a correr. Corria desesperadamente. Finalmente achou o caminho. Agora era um belo dia e, à medida que avançava, a floresta ia ficando para trás, o céu azul se tornava perceptível acima da copa das árvores. Todos os sons da fauna que aquele bosque podia conter também passaram a serem pronunciados, acompanhando o desesperador ruído do vento e dos passos.
            Via ele ao longe. Por mais rápido que corresse, a aproximação era lenta. Beirando a exaustão, lembrou-se outra vez de seus sonhos e de seus desejos, principalmente do último: o de estar ao lado dele. Encontrou as energias necessárias e se pôs novamente a correr.
            - Finalmente! Finalmente te alcancei! – Disse a garota exausta ao chegar perto do rapaz. Exausta e eufórica.
            - Que pena que chegasse só agora... – Ele respondeu.
            - Como assim? – Indaga sem entender o que se passava.
            - É que eu preciso subir aquela colina agora. – E disparou a toda velocidade.

            Luana ficou ali. Parada. Sentindo as pernas tremerem. E sem olhar para trás, ele a abandonou, levando consigo todos os sonhos, desejos e memórias.


*Baseado em "Montreal - Passos Perdidos"

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